quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Adivinhação e mitologia no candomblé nagô

Yoruba ou o aportuguesado Iorubá é a denominação de um grupo cultural tradicional africano. Sua concentração demográfica dá-se na Nigéria. Os Yoruba são também conhecidos como Nagô no Benin e aqui no Brasil. Durante o período da escravidão, seres humanos eram vendidos com este rótulo pelos mercadores.
A diáspora yoruba nas Américas concentrou-se principalmente no Estado da Bahia, aqui no Brasil. A formação de centros religiosos desde a época colonial de nosso país por parte dos escravizados nos mostra um grande desejo de manter os valores culturais tradicionais que eles trouxeram de sua terra natal. Há, na Bahia, diversos terreiros que reivindicam para si e se autoafirmam de tradição nagô, dentre eles estão o Axé Opô Afonjá e a Casa Branca do Engenho Velho.

Axé Opô Afonjá

Casa Branca do Engenho Velho

Nestes terreiros, a religião cultivada é o candomblé que, no caso nagô, possui como divindades os orixás.
"Para os iorubás tradicionais e os seguidores de sua religião nas Américas, os orixás são deuses que receberam de Olodumare ou Olorum, também chamado Olofim em Cuba, o Ser Supremo, a incumbência de criar e governar o mundo, ficando cada um deles responsável por alguns aspectos da natureza e certas dimensões da vida em sociedade e da condição humana" (PRANDI, 2013, p. 20).
Integram esta lista de divindades nomes muito conhecidos de nós como Exu, Iemanjá, Xangô e Obatalá. Faremos um post em breve só sobre os orixás nagô.
Um orixá de destaque na África é Orunmilá ou Ifá, o Adivinho. No candomblé, acredita-se que os seres humanos descendem dos orixás, não como uma origem comum, na verdade, cada indivíduo possuiria características do orixá do qual descende. Os filhos de Ifá são chamados de babalaôs ou pais do segredo. Eles são introduzidos na adivinhação pelos búzios. Esta prática cultural, no Brasil, é bem conhecida do senso comum, mas, na África, é praticada por pouquíssimos.

Jogo de búzios para adivinhação

"Para os iorubás antigos, nada é novidade, tudo o que acontece já teria acontecido antes. Identificar no passado mítico o acontecimento que ocorre no presente é a chave da decifração oracular" (PRANDI, 2013, p. 18).
Os babalaôs, para poderem realizar a adivinhação, necessitam estudar e aprender os Odus, são narrativas que contém problemas que envolvem orixás, seres humanos e animais com um fundo moral. Se fossem postos em livro, os odus teriam dezesseis capítulos com vários segmentos cada um. Ao jogar os dezesseis búzios, o babalaô saberá, através da interpretação da posição deles, qual dos dezesseis capítulos e qual segmento está a história que ajudará na resolução do problema da pessoa que o consultou. A palavra é muito importante para diversos grupos africanos, por isso, os odus foram durante muito tempo transmitidos via oral.
No candomblé de origem nagô, a adivinhação e a mitologia estão diretamente ligados, só se poderá adivinhar se conhecer e interpretar o odu corretamente. A seguir, há um mito sobre a adivinhação e seu papel na vida dos seres humanos.

"Exu leva aos homens o oráculo de Ifá

Em épocas remotas os deuses passaram fome.
Às vezes, por longos períodos,
eles não recebiam bastante comida
de seus filhos que viviam na Terra.
Os deuses cada vez mais se indispunham uns com os outros
 e lutavam entre si guerras assombrosas.
Os descendentes dos deuses não pensavam mais neles
e os deuses se perguntavam o que poderiam fazer.
Como ser novamente alimentados pelos homens?
Os homens não faziam mais oferendas e os deuses tinham fome.
Sem a proteção dos deuses, a desgraça tinha se abatido sobre a Terra
e os homens viviam doentes, pobres, infelizes.

Um dia Exu pegou a estrada e foi em busca de solução.
Exu foi até Iemanjá em busca de algo
que pudesse recuperar a boa vontade dos homens.
Iemanjá lhe disse:
'Nada conseguirás.
Xapanã já tentou afligir os homens com doenças,
mas eles não vieram lhe oferecer sacrifícios".
Iemanjá disse:
"Exu matará todos os homens,
mas eles não lhe darão o que comer.
Xangô já lançou muitos raios e já matou muitos homens,
mas eles nem se preocupam com ele.
Então é melhor que procures solução noutra direção.
Os homens não têm medo de morrer.
Em vez de ameaçá-los com a morte,
mostra a eles alguma coisa que seja tão boa
que eles sinta vontade de tê-la.
E que, para tanto, desejem continuar vivos'.

Exu retomou o seu caminho e foi procurar Orungã.
Orungã lhe disse:
'Eu sei por que vieste.
Os dezesseis deuses têm fome.
É preciso dar aos homens
alguma coisa de que eles gostem,
alguma coisa que os satisfaça.
Eu conheço algo que pode fazer isso.
É uma grande coisa que é feita com dezesseis caroços de dendê.
Arranja os cocos da palmeira e entenda o significado.
Assim poderás reconquistar os homens".
Exu foi ao local onde havia palmeiras
e conseguiu ganhar dos macacos dezesseis cocos.
Exu pensou e pensou, mas não atinava
no que fazer com eles.
Os macacos então lhe disseram:
'Exu, não sabes o que fazer
com os dezesseis cocos da palmeira?
Vai andando pelo mundo
e em cada lugar pergunta
o que significam esses cocos de palmeira.
Deves ir a dezesseis lugares para saber o que significam
esses cocos da palmeira.
Em cada um desses lugares recolherás dezesseis odus.
Recolherás dezesseis histórias, dezesseis oráculos.
Cada história tem a sua sabedoria,
conselhos que podem ajudar os homens.
Vai juntando os odus
e ao final de um ano terás aprendido o suficiente.
Aprenderás dezesseis vezes dezesseis odus.
Então volta para onde vivem os deuses.
Ensina aos homens o que terás aprendido
e os homens irão cuidar de Exu de novo'.
Exu fez o que lhe foi dito e retornou ao Orum, o Céu dos orixás.
Exu mostrou aos deuses os odus que havia aprendido
e os deuses disseram:
'Isso é muito bom'.
Os deuses, então, ensinaram o novo saber
aos descendentes, os homens.
Os homens então puderam saber todos os dias
os desígnios dos deuses e os acontecimentos do porvir.
Quando jogavam os dezesseis cocos de dendê
 e interpretavam o odu que eles indicavam,
sabiam da grande quantidade de mal
que havia no futuro.
Eles aprenderam a fazer sacrifícios aos orixás
para afastar os males que os ameaçavam.
Eles recomeçaram a sacrificar animais
e a cozinhar suas carnes para os deuses.
Os orixás estavam satisfeitos e felizes.
Foi assim que Exu trouxe aos homens de Ifá."
(PRANDI, 2013, p. 78-80)


Para saber mais, consulte a seguinte obra:

PRANDI, Reginaldo, Mitologia dos orixás. São Paulo, Companhia das Letras, [2001] 2013.

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