Luís Viviani
"Em janeiro de 2003 foi promulgada a Lei 10.639 que estabeleceu a inclusão de História e Cultura Afro-brasileira nas diretrizes e bases da Educação Nacional. Em 2008, ela foi completada pela Lei 11.645, com a inserção da temática indígena. Ambas possuem o objetivo de explorar a história e a riqueza cultural de povos historicamente marginalizados e desvincular a visão eurocêntrica existente no ensino padrão. Atualmente, a FFLCH ministra dois cursos voltados para professores do ensino básico que buscam justamente essa mudança de paradigmas.
O Núcleo de Apoio à Pesquisa (MAP) Brasil África, com o curso 'Diálogos e resistências: a África no Brasil e o Brasil na África', e o Centro de Estudos Africanos (CEA), através das aulas de 'Introdução aos estudos de África', expressam a importância da valorização da história africana em conexão com a brasileira, de sua identidade cultural e da relevância para desconstruir conceitos pré-estabelecidos.
Segundo a professora do Departamento de História da USP e especialista em História da África Contemporânea, Leila Maria Gonçalves Leite Hernandez, muito foi feito nesses doze anos, como textos didáticos, livros, artigos, exposições, workshops e cursos de aperfeiçoamento, como o NAP e o CEA, porém há mais por fazer. 'O ensino de História da áfrica e das culturas afro-brasileira e indígena continuam carecendo de professores melhor qualificados, ao ponto de formularem seus planos de aula e prepararem material didático, atentos às possibilidades de entendimento de seus alunos', comenta.
Além disso, ela destaca duas dimensões interligadas, a do conhecimento histórico e a do questionamento dos racismos e preconceitos, com o objetivo de desconstruí-los, visto que são dois grandes temas que necessitam serem tratados a curto, médio e longo prazo. 'Só assim poderemos atuar no âmbito de um processo eficaz e efetivo, promovendo rupturas com preconceitos e racismos ainda presentes na sociedade brasileira. Uma sociedade em que a educação formal segue ainda vários aspectos da estrutura discursiva ocidental, valorizando sobretudo os saberes, valores, símbolos e padrões europeus e norte-americanos', explica Leila Hernandez.
Para a coordenadora do NAP e professora do Departamento de História da USP, Marina de Mello e Souza, esse modelo de ensino padrão eurocêntrico está intimamente associado à educação brasileira. 'Nossa história e nossas visões de mundo são fundamentalmente eurocêntricas, o que está de acordo com a predominância do mundo europeu na formação de nossas elites, seja devido à colonização portuguesa, seja pela adoção do pensamento racionalista e cientificista do Brasil moderno'.
Sobre a lei, ela enxerga que a partir de forte pressão do movimento negro, o sistema de ensino foi obrigado a lidar com temas integrantes da história da humanidade que por razões ideológicas não eram tratados, e enxerga o ensino de história da África nas escolas como uma forma eficiente para a superação do racismo. 'Ao nos aproximarmos do continente africano de forma a considerar seu lugar na história da humanidade, a variedade de sociedades que lá existiram ao longo do tempo e a diversidade de suas contribuições, sem nos deixar levar pelas perspectivas que projetaram sobre o continente e suas populações ideais formuladas a partir de olhares eurocêntricos, que diziam mais de si próprios do que das realidades africanas, estaremos contribuindo para expor as razões do racismo e da inferiorização de sociedades cujo pecado maior foi ser diferente do mundo europeu dominante'. Ou seja, ao se estudar história do Brasil através de uma direção exclusivamente europeia e colonizadora, a cultura africana perde voz. O ensino dominante, por exemplo, insere os negros na história somente com o contexto da escravidão, em detrimento de sua dimensão histórica, social e cultural.
Para a também professora do Departamento de História da USP e especialista em História da África, Maria Cristina Cortez Wissenbach, a educação das crianças deve ser pautada por diretrizes, com a necessidade de quebrar estereótipos e valorizar o passado de um continente de onde veio grande parte da população brasileira. 'É preciso incutir nos alunos do ensino básico orgulho da ascendência africana. é assim também que se vence sentimentos de inferioridade e se combate o racismo da sociedade baseado na ideia de que existem raças superiores e inferiores, mais inteligentes e as menos capacitadas. A História da África em sua complexidade ajuda a romper paradigmas evolucionistas', analisa.
Em aula para o curso do CEA, por exemplo, ela tratou de um período específico da história das sociedades subsaarianas, antes da chegada dos europeus. 'Concentrei-me nas sociedades sahelianas que se desenvolveram entre os séculos VIII e XVI alimentadas pelo comércio transaariano e pelo advento do Islã, trazidos pelos comerciantes do norte africano. A intensão foi mostrar a historicidade e as interações entre as sociedades africanas e outros povos e outras civilizações' aponta. Além disso, a experiência da aula foi gratificante, pois ela disse que a recepção foi espantosa, o interesse das pessoas muito grande e as questões bastante pertinentes.
Já para o curso do NAP Brasil África, Wissenbach diz estar preparando uma aula que diz respeito à escravidão na África e à diáspora dos africanos pelo mundo atlântico. 'O tema tem a ver com minha preocupação da apresentação e discutir de onde vieram nossos escravos africanos, dissolvendo a ideia de que vieram do nada, ou de um vazio histórico', comenta. Outro ponto abordado no curso será demonstrar como se caracterizavam as chamadas nações africanas no Brasil, para ilustrar toda essa gama de grupos e culturas. '[Vou analisar] quem foram os haussás, os malês, os congos e os angolas, os benguelas, os moçambiques, como e porque se agruparam e quais os traços gerais de suas culturas, visões de mundo e religiosidades'".
Jornal do Campus. ano 33, n. 437, primeira quinzena - abril/2015, p. 5.
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